segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Sem Serifa

Houve o reto.
Possivelmente há alguns anos, não me recordo bem
mas seguramente houve o reto.
E nós nos segurávamos a ele como crianças metendo
no encaixe entre os vagões do trem
punhados da certeza com que
– cristãos –
víamos o beijo entre as paralelas dos trilhos.

De depois do ponto de fuga
não falávamos.
E não falávamos porque não sabíamos do paraíso
mais do que a sucessão de ripas de madeira
desenhando uma escada para o alto
alto.
E metíamos o pé com força – mais não sabíamos.

Porque seguramente houve o reto.
Lembro que
– como pode alguém se lembrar do não? –
lembro que não nos importávamos realmente
com o branco do cascalho cinza
entre as ripas de madeira do trilho
e com o ameaçador da sucessão do branco
e de sua brutal universalidade
que dissimulávamos re-li-gi-o-sa-men-te.

Todas as divinas proporções nos mostravam
que navegar, no reto, era preciso como dois e dois,
de modo que não queríamos – não podíamos! –
mais variáveis que deitassem abismos no caminho onde
pé ante pé
nos irmanávamos ao chão
– sublime no certo de que dele não se passa.

E se, quando o branco se tornou indissimulável
– um vírus, o pulgão da cheflera
ou as machas insistentes que só faziam crescer
na pele nostálgica de Michael –
se nos assustamos de verdade, doídos
frente às rotas geográficas, brancas, do parasita,
é que houve, de fato,
seguramente houve o reto.
E sentíamos perdê-lo no embaço de dois olhos que,
frente ao piano,
veem lisa a partitura.

Tudo branco.
E as ilhas da antiga estrada brincando, no papel
de compor formas de absurda liberdade.
Sem o reto, olhar para baixo
– chamaram vertigem, mas não concordo –
era perder a gravidade.
Tu, que semeavas o pasto por onde passava o trem
agora brincas de querer céu e mar ao mesmo tempo.
Tenho medo.

Porque o único caminho que te chegava de mim
– pelo cortejo de cartas dos meus lábios –
caiu, de rei em rei, valete em valete
no branco que engole os meus versos sem serifa.
E deles só tens a intuição
– um leve aceno de cabeça a um estranho familiar –
de que antes de teu reinado, em que te dissolves inteira,
sem sombra de dúvidas
fomos reconhecíveis, porque
de fato
– não me recordo bem, possivelmente há muitos anos –
seguramente houve
algo tangível para além desse silêncio de leite.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Jumper

e, se mais Mundo houvera, lá chegara.
Camões

As fotos na parede são fios, liames
que preenchem de lá – whenever – o existo aqui
fazem  (eu) areia sobre vidro e rosa dos ventos
(eu) pulando – foto a foto
contra o mesquinho da prisão que só se deforma
no movimento as estrelas se expandem

Não mais prisão, rasgo de estrelas, areia sobre vidro
foram abolidos!

O salto deforma pernas e braços
os confunde com o piso ou as esquadrias que
se confundem com o impossível de pisos ou esquadrias

Jump!

(eu) ginasta sobre a água irredutível do rio
concilio as margens
(eu) ponte, (eu) rio
contra o mesquinho das caravelas que precisam
chegada e partida

Foram abolidas!
interseções, medianeras, o contorno de teus olhos
tudo abolido!

(transpor o absoluto do rio e transpor
na distância das margens
a presença mesma do rio)

Herdei cada grama de pó
e preenchi-lhe os buracos com sou
ver assim é tudo de frente
no piscar de um bocejo: mil dimensões

Fissura de fios, de saltos, de novos flocos do pó
tudo de frente: um bocejo e mil dimensões gastas
quero além do selo sete, das quatro nobres verdades
onde (eu) gozo – não nirvana – renovada roda do carma

Mas as fotos na parede são (eu) tentáculos
que dilato o aqui até cristalizado outro jogo de esquadrias
mesquinho, como jogos de esquadrias
mais alto porque (eu) maior, mas que
na pressão água sobre água    
esmaga o mesmo peso

Tudo abolido!, repeti, erguida
a varinha do menino imperador

Omnizadas pernas e braços
sem contornos
subi, herdeiro de todo pó,
o topo do monte Sinai:

olhos de posso, sorriso de crime
graça infinita das lâminas de tangram:  

Mas faltou o verbo

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Limite

As paredes mudas
                 mudavam a possibilidade da casa

Tudo rijo
como as formigas que silenciassem
nas tocas
a chance da folha, ou da picada

Os rodapés que ansiassem
para além dos fios
pelo canto exposto
ou a rota exposta do rato

Ou os fungos, filamentos milenares
que lembrassem
o suco derramado, o carpete esquecido
a cachorra morta

Entre a lâmpada e o rejunte
a fina lâmina de mariposa
múmia do tempo
da poeira e dos fótons

Na área, a latinha de Coca
implorando escancarada
pela dança das abelhas
nas bordas

Nas teias, na sujeira nos livros
no estofamento de espuma
apenas os planos geométricos
da conspiração dos ácaros

E as folhas da cheflera enorme
em sustento estéril ao ninho
nunca acabado
dos sebinhos bicadores

Arquitetura sóbria
onde o rumor, não mais que indício
                 (no formigueiro do jardim
                 no brilho esquivo do rato
                 na pachorra do bolor ancestral
                 nos fótons, nas bordas, nos ácaros)
 espera 


Do alto das vigas
o anúncio do tremor que viria no próximo espirro
(não veio)


Ou a espada
sempre pendendo no fio de cabelo
sobre a cabeceira da mesa

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Anunciação

As nuvens parecem se projetar em 3D
Enquanto o barco corre veloz sobre as águas atlânticas
               a separar um morro de uma cidade desfiladeiro

As nuvens parecem se projetar em 3D
– concretos icebergs de veludo manchado –
Acrescentando dimensões novas à realidade tão nível do mar
               incessantemente questionada por ondas
               a insinuar incertezas em espasmos de enjoo

Santos de plástico me seguem
Desconfiados, duvidando de minha fé
E eu, como se não sentisse o balanço óbvio e insistente das vagas
– provando-me da absoluta impossibilidade de todo o resto –
Senti pela primeira vez que o plástico se dissolvia em luz
Quando a menina me disse – choque de orquídea e Tirésias – :
               “as nuvens parecem se projetar em 3D”

Olhei para cima e provei, grato
Que o espaço se dobrava para além de si
Só nuvens – concretos icebergs de veludo machado –
Preenchendo com delicada precisão o desfirmamento
               vidro sobre vidro

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Dois rios

“Diários anacrônicos da solidão”

Decidi começar 2012 com três livros da novíssima prosa brasileira, todos de autores jovens, bem conceituados, com propostas criativas e sempre dialogando com os temas da contemporaneidade “pós-moderna” – solidão, deslocamento espacial e social, diluição das fronteiras, despatrialização, fuga da realidade... O que nos leva à questão óbvia: serão as idéias tão criativas assim quando os locais visitados são tão recorrentes, perigando a onipresença?

O primeiro impulso me leva a responder que esses lugares comuns são próprios do universo de possibilidades de que a narrativa brasileira tem se servido, a partir das questões mais imediatas e palpáveis que permeiam nosso imaginário. Não há nada de errado nessas recorrências, grandes escolas literárias transitaram pela mesma constância temática sem que isso representasse, necessariamente, um mal e, ainda que não possamos falar de uma escola na prosa brasileira contemporânea, fato é que existem traços geracionais inegáveis que se impõem (de maneira mais, ou menos, consciente).

Para além desses eixos temáticos comuns, no entanto, um outro elemento, de caráter formal, parece gritar sua constância nas obras mais recentes que li: a narrativa em primeira pessoa (dando ao texto uma carga subjetiva gigantesca) somada ao uso de uma temporalidade descontínua, que, se oferece possibilidades de abusar na criatividade, apresenta alguns riscos também, como a emergência de digressões extremamente desnecessárias. Além disso, a própria narrativa perde em verossimilhança (o que, vá lá, não é necessariamente um mal, mas incomoda) quando não sabemos exatamente em que consistem os relatos: serão testemunhos organizados sob a forma de um diário?; serão pensamentos encadeados do eu lírico?; serão um desabafo? Mesmo quando a explicação é dada, muitas vezes ela não cola.

Dando nome aos bois: os livros a que estou me referindo são Diário da queda, de Michel Laub, Pornopopéia, de Reinaldo Moraes, e Dois rios, de Tatiana Salem Levy. Excetuando Moraes (sessentão a quem chamo jovem pela escrita e pelo papel de sua Pornopopéia na tal novíssima prosa brasileira), os outros dois estão na casa dos trinta anos, todos com estilos diferentes, níveis desiguais de densidade subjetiva, ideias radicalmente opostas quanto ao otimismo ou à desilusão. E, no entanto, todos partilham dos elementos destacados acima, o que me faz pensar que o formato “diários anacrônicos da solidão” vem se impondo como regra literária no Brasil. Uma pena? Bem, os livros são ótimos (friso: ótimos!), não fosse a triste impressão de se estar recorrendo aos exemplares estendidos de experiências de criação testadas na mesma oficina de prosa...

“Dois rios”

Dos três livros que li, o de Tatiana Levy não foi aquele de que gostei mais. Mas me levantou questões para pensar (no que há de bom em seu texto e também no que considero seus pontos fracos). Com eus líricos diferentes nas duas partes que o compõem, Dois rios narra a história de dois irmãos gêmeos, Joana e Antônio, a partir de seus próprios pontos de vista no tocante à relação entre eles dois e à de cada um deles, separadamente, com uma francesa misteriosa de nome Marie-Ange. Isso exposto, a escolha do título torna-se compreensível. Ok, mas há ainda a referência à vila de Dois Rios, em Ilha Grande, cenário da infância dos personagens e também o local onde a cumplicidade umbilical dos dois sofre um abalo radical, quando da notícia da morte de seu pai. Bela escolha de título. Um ponto para Tatiana.

Os cenários da história variam entre a vila insular, a orla de Copacabana (onde os personagens residiam, quando crianças, e onde Joana mora ainda com uma mãe obcecada por seus transtornos e medos) e a ilha da Córsega, na França, terra natal de Marie-Ange, na qual os dois irmãos vivem experiências profundas de autoconhecimento junto à francesa, em momentos diferentes que se ligam de maneira um pouco vacilante ao longo do texto. Marie-Ange tem um papel fundamental em suas vidas, mudando drasticamente suas rotinas e levando-os a questionar seus próprios medos, suas próprias escolhas, além de encaminhar, indiretamente, uma possível reaproximação que acontece para além das páginas do livro.

Tudo é dois: dois irmãos, dois rios, duas ilhas, duas escolhas radicalmente opostas e duas visões de mundo. Além disso, a primeira parte do livro assume uma perspectiva feminina evidente, enquanto a segunda procura enveredar pelo universo masculino através dos olhos de Antônio. Acontece que a dualidade muitas vezes não convence. As visões radicalmente opostas, quando dissecadas pela autora, não são tão opostas assim, e os motivos que levaram ao rompimento passam por uma sucessão de eventos confusos que não se sustentam ao longo das páginas. O que levou à separação dos dois? O egoísmo de Antônio, incutindo na irmã uma culpa de que ela não pôde escapar? A fraqueza de Joana em não saber superar um trauma e levar ao irmão a se sentir preso a um espaço de tristeza e obsessão, do qual não restava alternativa senão a fuga? O desenvolvimento da intimidade dos irmãos, num início de adolescência, que os constrangia, na descoberta conjunta do erotismo e na vivência de tabus? O sentimento de que essas experiências foram responsáveis pela morte de seu pai? Tudo isso, em graus diferentes, dependendo do narrador, do momento narrado e da visão de cada personagem antes, durante e depois do contato com Marie-Ange.

Nada é preciso, como nada é preciso na mente humana, que se reconstrói a cada momento. Para solucionar essa equação, Tatiana Levy recorre a uma psicologização dos personagens, na busca interior de cada um de se auto-conhecer e reviver seus traumas e medos. Acontece que esse ar psicanalítico incorre em clichês bastante incômodos, além de não resolver as contradições presentes no livro e os problemas na seqüência da história. Além disso, um romantismo quase infantil invade, por vezes, o texto de Tatiana, interrompendo algumas seqüências belas e bem escritas. Como é ruim se deparar com a pergunta “é muito diferente do amor, a morte?”, única frase de uma das sessões do livro e, no mais, sem nenhuma contribuição para a obra além de uma pieguice das mais desconfortáveis.

Mas como é bom ler outra consideração (romântica, psicologizada e belíssima!) de Antônio sobre o desastre (vivenciado no sumiço de Marie-Ange de sua vida): “o desastre, Marie-Ange, nada mais é do que o ponto de interseção entre duas esperas, a ligação e a ruptura entre elas. Primeiro, esperamos o desastre acontecer. Depois, esperamos que ele nunca tenha acontecido, que o tempo presente vá engolir o passado e fazer com que tudo seja como antes, ou que o futuro chegue logo e, com ele, o esquecimento.” Outra bola dentro, Tatiana! Aliás, como várias outras digressões sobre o tempo e as diferentes temporalidades que habitam a vida. Esse, em minha opinião, é o ponto alto do livro, o que me fez gostar de ler as pouco mais de duas centenas de páginas que o compõem.

E olha que nessas páginas muita coisa pode ir embora sem fazer falta... Quantas vezes o ritmo do livro fica arrastaaaado, preso em divagações que servem mais para encher lingüiça do que para contribuir para a trama (geralmente dotadas do exato tom romântico a que me referi acima). Além disso, as duas partes do livro, que deveriam constituir totalidades separadas, são desiguais: a segunda parece correr atrás da primeira. A narrativa de Antônio procura responder à narrativa de Joana, ainda que não haja contato direto entre as duas e que ambas se façam em primeira pessoa, o que revela um erro de cálculo da autora ou falta de fôlego.

No mais... E a Marie-Ange? O que é ela exatamente? Uma aparição fruto do subconsciente de Joana e Antônio para que suas vidas interrompessem seus fluxos “naturais” e se voltassem à reflexão de um passado nada resolvido? Um ser sobrenatural ou mítico com o dom inspirar, subitamente, novas aspirações e desejos em quem a conhece (e de sumir, sem explicações, logo depois de ter cumprido sua missão)? Quem é Marie-Ange? Em um livro muito psicologizado, nada menos explorado do que essa personagem crucial, tão pouco convincente quanto a paixão arrebatadora que a envolve aos dois irmãos, fazendo-os abandonar seus mundos – nada cômodos, diga-se de passagem – para segui-la.

Marie-Ange parece, mais do que tudo, uma personagem alegórica, e como tal tem o seu valor (algo como o grilo falante de Pinóquio, em uma versão sensual e voraz). Aliás, alegórico é todo o livro! Escusando-lhe o romantismo um tanto tolo (invadindo uma narrativa tão próxima às inquietações da contemporaneidade) e as vezes em que a autora perde as rédeas da história, Dois rios, como parábola épica, rola, e rola bem. Belo e esperançoso relato sobre vidas separadas por silêncios partilhados.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Para que o ano novo possa ser realmente novo

De todos os méritos que poderia destacar para 2011, o mais importante me parece ser o retorno da crítica cortante ao establishment e do sonho de uma vida pautada em valores diferentes. A originalidade no conteúdo é pequena – sobretudo se retornarmos à década de 60 e relermos Sartre, Marcuse, Cohn-Bendit, os anarquistas, os situacionistas, e outros tantos istas... As formas são novas – ou, ao menos, releituras bem interessantes, integrando todas as mídias disponíveis na divulgação e na própria criação das alternativas à manipulação do concretíssimo “sistema”. Mas, acima de tudo, parece-me que parte (ainda que não a maioria) da juventude está querendo mostrar para quê veio, e a sociedade em geral parece questionar os ideais, outrora intocáveis, da acumulação capitalista – nesse aspecto, a crise se revela bastante benéfica.

A todo o momento, no entanto, me vem à cabeça a frase de Raoul Vaneigem: “aquele que fala de revolução sem mudar a vida quotidiana tem na boca um cadáver” (não tenho certeza de que ele tenha dito ESSA frase, que apareceu pichada nos muros de Paris em 68, mas na Arte de Viver para a Geração Nova ele escreveu coisa bem semelhante...). De fato, só é possível almejar uma mudança no sistema se a vida individual de cada um for transformada, naquilo que tem de mais valioso: sua relação com o outro. É absolutamente necessário enxergar o outro como parte de um mesmo organismo vivo, ao qual estamos todos integrados. É absolutamente necessário mudar a relação que temos com esse outro, pautando-a mais no amor (não o amor lugar-comum dos filmes românticos, mas o sentimento profundo de reconhecimento e respeito mútuo) do que na competição diária. É absolutamente necessário, sobretudo, que a mudança do mundo comece no ambiente doméstico.

De todo modo, a reflexão sobre o mundo que nos cerca e sobre as alternativas propostas a esse mundo não deve ser deixada de lado! Às vezes, parece que a realidade em que vivemos é natural e imutável, como se essa fosse a ordem natural das coisas, que pode até ser melhorada nos seus próprios parâmetros, mas não alterada substancialmente. Acredito que a realidade em que vivemos é uma construção histórica como qualquer outra, difícil de alterar como qualquer outra, mas não imutável, não natural e muito menos boa ou legítima! E o ano de 2011 veio nos mostrar isso de maneira bem enfática. Na verdade, tudo começa com a crise que explode em 2008 e que evidencia escandalosas contradições dentro de um sistema político, econômico e social que se pretendia perfeito – e unívoco! E a crise não é somente econômica, é política (já que os sistemas representativos mundo afora não representam mais grande parte das sociedades a que se reportam), e é ambiental, uma vez que a degradação sistemática da biosfera não mostra sinais de que vai diminuir, intimamente ligada que é ao desenvolvimento capitalista que temos, nos moldes atuais.

O que o ano de 2011 fez foi trazer à cena novos atores, novos cenários e novos roteiros. E nisso temos a tal da “Primavera Árabe”, os indignados de Madri, os rioters de Londres e a série de movimentos Occupy em todo o mundo, para citar apenas alguns exemplos. Grupos como os Adbusters e o Anonymous ganham cada vez mais espaço, sobretudo nas mídias alternativas, e as críticas, ainda que (que bom!) desordenadas, se avolumam na constatação de que do jeito que estar não dá para ficar!

Aos que criticam o Occupy Wall Street (ou o Ocupa Rio e o Acampa Sampa, como versões brasileiras, por exemplo), afirmando que eles não apresentaram nenhuma proposta clara nas críticas que fizeram, acredito que a resposta mais coerente seja a de que as velhas respostas não dão mais conta das novas realidades. Novas respostas virão, aguardem, mas a sua construção deve ser pensada em conjunto. Os Occupies são, em grande medida, um fim em si mesmos: a re-significação dos espaços públicos como espaços de discussão e denúncia não é argumento suficientemente plausível? É a partir daí que devem vir as novas respostas, a partir do diálogo com o outro... Se vai dar certo? Não sei... As ocupações em todo o mundo (as que resistiram) já demonstram sinais de exaustão e cansaço, a Primavera Árabe não garantiu a instalação de democracias plenas (e, de todo modo, quem afirmaria que a sua instalação resolveria o problema?), a juventude mundial parece estar se preparando para as férias... Mas, de todo modo, os ecos do que aconteceu durante esse ano permanecerão. Temos de saber lidar com esse legado e saber tirar dele o maior proveito possível.

Mas, para além da crítica à sociedade e das ações coletivas (sejam de sabotagem, sejam de desobediência civil ou de resistência pacífica), é necessário que pensemos outros aspectos de nossas vidas. É necessário que nossas idéias sejam coerentes com nossos gestos. É necessário, sobretudo, que superemos antigos preconceitos e pensemos na vida em sociedade e, mais do que isso, na vida em um organismo integrado como uma realidade à qual não podemos escapar e que, por isso mesmo, devemos zelar para que esse organismo sobreviva em harmonia. E, se somos parte integrante e fundamental desse organismo, zelar por ele é também zelar pela nossa vida individual, pela nossa saúde física, mental e emocional. Pela liberdade de se desfrutar de prazeres diariamente (sem abrir mão deles em nome de um quotidiano corrido ou de uma vida agitada, mesmo em nome de um ideal).

Viver os prazeres da vida, ter momentos de tranqüilidade e paz são direitos fundamentais do ser humano. Não somente os prazeres instantâneos que vêm com a novela das oito, com as atualizações do facebook ou com o pornotube, pensemos grande! Saiamos da frente do computador e vivamos a “vida real” em seus mínimos detalhes, em todas as suas possibilidades. É claro que em um mundo em que milhares de veículos de comunicação divulgam tudo ao mesmo tempo, é difícil escapar à lógica “informacional viciosa”. Acho, inclusive, que pretender escapar a ela é um engano: isolar-se, viver como um eremita no mundo em que vivemos é como andar com uma venda. É necessário estar informado, pelo máximo de fontes possível, para que possamos construir nossa própria opinião. Mas não podemos deixar que essa dependência nos domine. A vida real, em todas as suas possibilidades, nos espera! Descobrir como administrar o excesso (de trabalho, de informações, de estímulos) e como encontrar um tempo diário para estar conosco, para experimentar, talvez seja o grande desafio. Não tenho a resposta para isso, mas precisamos procurá-la!

Marcuse disse, certa vez, que “num mundo feio não pode existir liberdade”. Concordo completamente! Cabe a nós a dupla tarefa de enxergar beleza onde muitos não a vêem e de construí-la, quotidianamente, de ter a criação da beleza como um ideal, talvez o maior dos ideais. Espalhar beleza pelo mundo, provocar o espanto com os gestos mais simples, intervir no ambiente positivamente, criando, provocando... Ter essa ação direta no mundo como meta principal, e colocar-se como agente! Não podemos abdicar de nosso papel de agentes no mundo, não podemos aceitar a passividade como condição. Ajamos na direção da construção da beleza, que só pode existir com base no amor e nos sentimentos de reconhecimento e identificação com o outro.

Ajamos, também, com consciência da nossa total liberdade com o nosso próprio corpo, e do nosso direito inalienável de desfrutá-lo, de sentir prazer com ele da forma que acharmos melhor – desde que sem causar sofrimento ao outro –, sem moralismos ou códigos de conduta instituídos a priori por uma sociedade que não considera o prazer como princípio fundamental. Vivemos em um mundo em que trabalhar compulsivamente visando o acúmulo de bens é considerado atributo de caráter, enquanto o prazer é relegado às escassas horas de lazer a que temos direito (muitas vezes vividas com culpa por quem tem que produzir cada vez mais para alimentar o círculo vicioso do sistema). Invertamos a lógica: coloquemos o trabalho a serviço do prazer!

Busquemos, diariamente, a força para manter nossa vontade firme e coerente com nossas idéias. Que consigamos superar a apatia e a preguiça, agindo no dia-a-dia de maneira lúcida. Que nossos gestos sejam frutos de uma escolha consciente, não da inércia. Mas que reconheçamos também nosso direito de errar, e que possamos nos perdoar e recomeçar sempre, a cada dia, afinal não podemos nos cobrar uma perfeição que – que bom! – nós não temos. E, ainda assim, é fundamental que assumamos inteiramente a responsabilidade pelos nossos atos e idéias, ainda que eles possam, e devam, mudar.

Superemos as idéia de caridade e de altruísmo, que pressupõem uma separação fundamental entre os indivíduos, e incorporemos o valor da absoluta necessidade de uma vida conjunta. Somente assim poderemos olhar para o ano de 2011 e reivindicá-lo integralmente, em suas conquistas e em seus excessos, no que há nele de belo e de feio, mas sem termos nas bocas um cadáver, pois estaremos vivendo no nosso quotidiano o que sonhamos para o mundo. Para que 2011 não termine em 2011, mas também para que o ano novo possa ser realmente novo.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

GoTan ProJect

É extremamente necessário dar o play no vídeo antes de começar a ler.




Gotas granuladas como cogumelos
Gushing glass over gloves
Gastam grandes golfadas de glória
Gargantas grunhem: “gol!”




Há tango tatuado no torso tição
Torcem torrentes de tinta-treva
Por todo o tosco tronco
Que treme em “T”






Com pincel e poeira, pesco passos
Pingados no palco pelo pé suspenso
Sob o peito parco, um perfil pintado
(Preto no preto)




Anjos ginecológicos de Júpiter
Jorram, pelos gestos, jatos de giz
E jovens jurados por gíria mágica
Fingem ginga e jogo