segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Desintoxicação

Desintoxicar.
Período de substituição de narcóticos.
É fabuloso pensar que se pode tudo. Acho essa idéia absolutamente encantadora.
Posso acreditar simplesmente que posso parar de pensar. E aí eu posso parar de pensar.
Mas o esforço para isso se dá em várias frentes.
Não há como simplesmente apertar o stop e chegar ao Nirvana. Para isso temos que negociar conosco. Substituir gradualmente os narcóticos, o que é um problemão.
Desintoxicar é justamente isso: negociar. Dizer ‘eu abro mão disso, para chegar aqui’.
Não é uma questão de juízo de valor, é uma questão de conforto. Está confortável com os seus narcóticos? Ótimo, eles lhe servem muito bem. Não está? Troca.
Mas desintoxicar é também abrir mão de segurança.
Abrir mão da segurança que certas ações cotidianas nos dão.
Está bom? Não. Quer trocar? Não! (porque assim eu me conheço, sei aonde vou chegar e os meus limites)
Desintoxicar não é se limpar.
Ninguém está limpo.
Não existe isso de estar limpo.
É mudar para outro narcótico que tenha um efeito mais pertinente. Mas não sei se estou preparado para perder o efeito do anterior.

Estou em período de desintoxicação. Confesso que está brabo.
Tendo a acreditar simplesmente que posso parar de pensar, mas isso é o ideal. Para chegar lá tenho um longo trajeto pela frente.
Trocando os martelos que batem incessantemente na minha cabeça (mas que assim, de alguma forma, me fazem uma melodia harmoniosa), pela ausência dos martelos.
Me perguntei se um narcótico podia ser uma ausência.
Acho que não pode.
O narcótico é, e tem de ser trocado por algo que também é.
Senão eu não seria mais. Acho. Não sei.
Talvez esse fosse o caminho do Nirvana, mas eu, ao menos eu, não posso trocar o que é pelo que não é.
Então estou substituindo por coisas que são.
Substituindo pelo fazer prático. Pela degustação descompromissada.
Mas é claro que não é fácil. Nenhuma desintoxicação é fácil.
Me pego diariamente batendo com força os martelos pesados que soam alto e me impedem de seguir, e de sentir, mas que me dão um consolo em cada marretada furiosa.
Mas estou largando.
Trocando.
Turning on, tuning in and dropping out.
Ahh

Maldito superego!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Quando fui a Tókio

Poucas coisas revigoram tanto como sentar na varanda num início de noite chuvoso e ficar olhando a mistura de prédios, árvores e fios que compõe o cenário do meu mundo externo.
Sinceramente, e sem medo de parecer ridículo: me senti em Tókio. Não sei por que (nunca fui a Tókio e imagino que lá o caos se sobressaia muito mais do que esse ambiente de calma interrompido por esparsas buzinas e ruídos de vozes, que falam dentro dos apartamentos e fora, saindo da farmácia, do banco, da padaria... Tampouco parece que esse meu quadro se relacione com o ambiente ajardinado das cerejeiras em flor que figura entre os lugares comuns das representações da Tókio antiga. Mais precisamente, acredito que tenha me sentido num subúrbio de algum mangá melancólico.).
Não importa exatamente. O certo é que me senti bastante revigorado, e até feliz. Isso pode parecer contraditório com a melancolia própria da mistura “noite chuvosa” mais “prédios, árvores e fios”. É mesmo, mas para quem sentiu esperança após ver Dogville, isso não é exatamente estranho.
Senti-me revigorado por toda a conjuntura. Da completa desorganização interna, misturada à tristeza de não saber suportar a solidão subjacente a certas situações que, de maneira incômoda, se repetem mais do que alguém gostaria, e somada ainda à dorzinha aguda do medo de perder algumas doses de companheirismo diário, disso tudo, sentado na beira da varanda, me veio a música. E me veio a fé.
E, sem vergonha alguma (o que é absolutamente raro), cantei. Cantei muito, mais do que pensei que quisesse cantar. E mastiguei cada palavra que cantava como um mantra, ou uma prece, ou ainda uma certeza de que há algo para além da solidão, do medo, das noites chuvosas, das árvores, dos prédios e dos fios. Cantei, mais do que para espantar, para consolidar essa solidez de sentimento que, sem sentir em sua completude, edifico em um outro mundo, mundo das idéias, mundo dos sentidos, das certezas ou da simples necessidade de crer, mundo dos edifícios construídos para abrigar a eles mesmos (que não vivemos lá!), mas nos quais repousam as nossas mais íntimas aspirações.
E quando esses edifícios estão formados, nossas vidas ganham até um sentido, um sentido maior que a gente. E isso revigora.
Sentado na varanda, olhando a massa absolutamente harmoniosa à minha frente (harmoniosa como nada mais pode ser), me senti bem.
Conheci Tókio.