sexta-feira, 25 de março de 2011

Poetando

Poeta pra mim é título mais bonito que o de doutor. E, como o de professor emérito, nunca deveria ser sugerido pelo próprio, ao menos num primeiro momento de uso. “Sou poeta!” Não se diz. É quase como dizer: “sou o cara”. Soa feio, esnobe.
Deixa a menina de cabelos castanhos e olhos amendoados te chamar poeta, assim, de bobeira, como quem não quer nada. Aí você ganha o dia (e, cá entre nós, você nem precisa escrever tão bem pra isso).
Ou então o casal humilde, ao reparar suas estranhezas, comentará: “não se avexe não, vice, que esse é poeta.” Tá explicado, não é não dona Matilde?
Pode ser mesmo que um grande acadêmico declare, com pompa e circunstância: “caro colega, o senhor é poeta dos bons, digno do trono de Machado”. Desse passe longe, faz favor, que de poeta mesmo não há de ter nada.
Há, ainda, os amigos que te chamam poeta por troça, ou gosto, ou por admiração e carinho a você. Esses, guarde com carinho no coração, mas não leve muito a sério, pra não ficar metido a besta.
Mas quando um desconhecido ler um poema seu e disser: “gostei disso, quem é o poeta mesmo?”, pode se gabar, você é o cara. Guarde isso com você, como um segredo, uma delícia só sua.
E volte para sua vidinha normal, abençoando três vezes a santa alma que te fez figurar, por um segundo, no célebre panteão dos vagabundos iluminados.

terça-feira, 15 de março de 2011

Um amigo invisível

Tenho um amigo que só quer ser invisível
Entre tudo que é visto, dito, tocado
Um amigo que ama demais
Que só quer sentir o gosto dos outros
Na sua boca
Seca
               de álcool
               de tabaco
               de desejo

Tenho um amigo que brinca de roda
Segurando pelas mãos
Todas as crianças do mundo
Girando na roda como roda na gira
A paz

Um moleque que brinca nas ruas
Ingênuo
E, ao mesmo tempo, um homem
Lidando com a parte que lhe cabe na herança
(Tão completo que não cabe em si mesmo
E tão incompleto
Que busca no mundo, a todo instante,
O seu espelho)

Tenho um amigo que casou o Sol com a Lua
E nesse beijo prometido e inesperado
Nasceu colorido num mundo em preto e branco

Um amigo urso

Tenho um amigo urso
Um amigo que é só um sorriso
Grande grande, como é grande o indizível
Grande grande, como é grande o seu abraço

               (o abraço que a bisa da amiga
               tanto evitou que ela recebesse)

Tenho um amigo urso, de passadas largas
Gestos amplos, cara redonda
E, mesmo assim, ssssuaaaveee
Bonachão como o São Pedro de Bandeira

Tenho um amigo que descobriu, eu acho
A face mais pura da felicidade
(E a escondeu num lugar só dele
Deixando-a transbordar pelos seus dentes)

Um amigo ao avesso

Tenho um amigo que nasceu ao avesso
Ao avesso do provável
Ao avesso do possível
Ao avesso do indicado
Ao avesso de mim

Deram-lhe um coração com a idade errada
E ele aprendeu a amar de cima
A ver o mundo de cima

Mas o que queria mesmo era poder circular entre os dois mundos
               o de cima
               e o de baixo

Tenho um amigo que se fez sábio
Engolindo com avidez os segredos do universo
Mas faltou-lhe descobrir o pulo do gato
– Que por baixo de sua corcunda, há os olhos de um falcão
E seu coração ancião ainda tem muito que amar –

Tenho um amigo que sempre estranho
Por olhá-lo e ver-me nu

(Que como qualquer avesso sincero
É o meu reflexo mais nítido
               em medos, em sonhos
               em dores, em fé)

Mas longe de ser invés só meu
É a síntese antitética do mundo todo
Porque como São Paulo, com sua beleza torta
É o avesso do avesso do avesso do avesso

Vintedois

Parte 1 – Vontade Primal

Tô cuma vontade primal de viver meus quase vintedois anos.
Não de jogar tudo pro ar. Não, isso não.
De manter-me numa ordem que monto como lego. Mas de injetar nessa ordem um pouco mais de emoção, menos técnica.
Amar. Que doidera isso!
Fazer, criar do meu sangue, mas sentir o que crio com o prazer de compartilhar esse mesmo troço com o mundo, mesmo que o mundo se restrinja a um par de olhos interessados e bola-de-gudemente brilhantes.
Re-vo-lu-ção.
Botar pra quebrar mesmo.
Vintedois, afinal.

Parte 2 – A Nara de Copa

Queria ir a Copacabana ver Nara. Ver Nara? Ou ver nada?
A princípio ver nada. Mas ver Nara seria bem melhor, sem dúvida.
Eu diria para Nara: “Vem Nara, me salva, por favor.
Nara, vem, beija minha boquinha, Nara, Narinha!, deixa eu gozar dentro, deixa amor, nada de mal vai acontecer”.
Queria ver Nara.
A Nara de Copa.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Haikai Bas-Fond

Ressaca moral
Um excelente lugar
para se compor.