quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Quando fui a Tókio

Poucas coisas revigoram tanto como sentar na varanda num início de noite chuvoso e ficar olhando a mistura de prédios, árvores e fios que compõe o cenário do meu mundo externo.
Sinceramente, e sem medo de parecer ridículo: me senti em Tókio. Não sei por que (nunca fui a Tókio e imagino que lá o caos se sobressaia muito mais do que esse ambiente de calma interrompido por esparsas buzinas e ruídos de vozes, que falam dentro dos apartamentos e fora, saindo da farmácia, do banco, da padaria... Tampouco parece que esse meu quadro se relacione com o ambiente ajardinado das cerejeiras em flor que figura entre os lugares comuns das representações da Tókio antiga. Mais precisamente, acredito que tenha me sentido num subúrbio de algum mangá melancólico.).
Não importa exatamente. O certo é que me senti bastante revigorado, e até feliz. Isso pode parecer contraditório com a melancolia própria da mistura “noite chuvosa” mais “prédios, árvores e fios”. É mesmo, mas para quem sentiu esperança após ver Dogville, isso não é exatamente estranho.
Senti-me revigorado por toda a conjuntura. Da completa desorganização interna, misturada à tristeza de não saber suportar a solidão subjacente a certas situações que, de maneira incômoda, se repetem mais do que alguém gostaria, e somada ainda à dorzinha aguda do medo de perder algumas doses de companheirismo diário, disso tudo, sentado na beira da varanda, me veio a música. E me veio a fé.
E, sem vergonha alguma (o que é absolutamente raro), cantei. Cantei muito, mais do que pensei que quisesse cantar. E mastiguei cada palavra que cantava como um mantra, ou uma prece, ou ainda uma certeza de que há algo para além da solidão, do medo, das noites chuvosas, das árvores, dos prédios e dos fios. Cantei, mais do que para espantar, para consolidar essa solidez de sentimento que, sem sentir em sua completude, edifico em um outro mundo, mundo das idéias, mundo dos sentidos, das certezas ou da simples necessidade de crer, mundo dos edifícios construídos para abrigar a eles mesmos (que não vivemos lá!), mas nos quais repousam as nossas mais íntimas aspirações.
E quando esses edifícios estão formados, nossas vidas ganham até um sentido, um sentido maior que a gente. E isso revigora.
Sentado na varanda, olhando a massa absolutamente harmoniosa à minha frente (harmoniosa como nada mais pode ser), me senti bem.
Conheci Tókio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário