segunda-feira, 17 de maio de 2010

Companheira utopia: presente!

(ou fazendo as pazes com Maio de 68)

Quantos anos até acordar e ver que ainda há do que se orgulhar.
Apesar de tudo, ainda há do que se orgulhar.






Houve quem dissesse que nada daquilo restou
que o povo quedou mudo frente ao desengano, ao desespero

Houve quem dissesse que as vozes cantaram em vão
que os sonhos se desfizeram como névoa
que os mortos se foram por nada
que o sangue derramado foi como pó
no vento

Houve quem dissesse que meu mundo não tem jeito
que nunca teve
que não há o que fazer


Meu mundo

Ora, que tolice!

E eu que disse tanto, sobre tudo, fui dizendo cada vez menos, e disse menos, e disse quase nada, até que finalmente me calei.

Ora, que tolice.

O menino que cresceu crendo

desesperou-se
chorou
caiu

fugiu


E na fuga se encontrou com o que havia de mais verdadeiro em sua alma, mas continuou fugindo. E se viu, cada vez mais, e viu o mundo. E desesperou-se, e chorou, e caiu, e continuou fugindo.

Por quantos anos?
Não importa
O menino cresceu – que bom, que mau –

Viu o ridículo de tudo, e riu
mas riu de pavor, de desassossego
Riu porque estava órfão

Ora, que tolice...






Homens são só homens. E se conseguirem ser homens já é o suficiente.
Me julguei forte
Me julguei líder
Me julguei jovem
profético como todo jovem

Que forte, que líder!
Que nada.
Daria eu um milésimo da minha vida em nome de algo de incerto?
Sim? Não? Não importa tanto, há tanta covardia dos dois lados
Há tanta covardia em dizer sim à batalha
Tanta coragem em dizer não a uma luta – que não é minha!
(e que pode não ser minha por medo meu
por que haveria eu de ser herói?)


Agora olhando para trás, vejo que não foi tudo em vão
As lutas que não lutei, os sonhos que sonhei tardiamente e que não sonho mais
mas que batem fundo, tão fundo, que dói.






68 nasceu comigo em 89

e morreu aos poucos, ai de mim!, na crueza da maturidade (ora, que maturidade?)

que legado nos deixou!
a inocência juvenil (burra e inconseqüente)
as viagens lisérgicas
a liberdade do corpo

uma visão tosca de uma luta que nasceu abortada

Somos os mesmo? Claro que não, não poderíamos ser
Senti-me órfão e hoje vejo que não, que sou antes um filho ingrato
(ou pródigo? que não poderiam esses meus pais cobrarem-me
obediência ou gratidão, antes o contrário!
ou talvez pudessem, mas não me interesso por essa sua face
e não posso dar o que não tenho

não tenho gratidão, tenho assombro, espanto!, e lágrimas...)

Não poderia eu ter matado e enterrado esses meus pais (que são doutrinários, anti-doutrinários, libertários, ortodoxos, hipócritas acima de tudo)
Não poderia porque seu sonho é meu sonho
sou filho de suas utopias
que já são outras para mim (porque o mundo não gira mais em 2D)

E como é difícil pensar em 3D!
Mas é a única forma. A única forma de resgatar esse meu passado, essa minha ancestralidade e digeri-la, e fazer o meu presente
utópico?
burro?

Em 3D.






Mas a lembrança me aquece a alma, e gelo por aqueles que tiveram a coragem de fazer o que eu nunca poderia ter feito (embora acreditasse com todas as minhas forças que faria se pudesse)
Ou talvez fizesse, quem sabe?
Os tempos são outros, há que se pensar em 3D –

Mas há na memória
Na chamada dos mortos e sufocados
O peso da força dos nomes que teimam em resistir
para além do medo
para além da covardia
para além do esquecimento

e por esses pais, eu, filho pródigo, choro
e tiro de dentro de mim uma bravura ancestral e furiosa
uma força
que não imaginaria ter se não a sentisse em cada pulsão
de minhas veias

e grito os nomes daqueles que me fizeram quem sou
para além de todas as críticas
grito os nomes daqueles que me emocionam
simplesmente por terem existido
e por terem feito de mim
um sonhador
e do mundo
seu teatro

Companheira utopia: presente!

para sempre
que sou teu filho.






E da janela meio empenada, que teima em não se fechar, vejo as cinzas de uma vida que nunca foi minha. E me pergunto: de onde tiro forças para ficar aqui?
A resposta é esse sonho, esse sonho, tantas vezes sonhado e que, afinal de contas, faz todo o sentido do mundo.

3 comentários:

  1. Acho que está sendo muito duro consigo mesmo. Mas, talvez, eu entenda. E espero que esse sonho inspire a sua vida por longos e longos anos, mesmo sendo colocado à prova, a todo instante, pela nossa, sempre velha, realidade. Abraços.

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  2. Eu poderia dizer muito, mas fico só com uma palavra: sublime.

    Abraços!

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  3. precisava deixar os parabéns. me tocou e foi muito.

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