segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Fim da estrada

Nas largas estradas da vida, que percorro há anos de olhos abertos (embora nem sempre atentos), a angústia dos que têm pressa, e não sabem pressa de que, e a coragem de quem está a um passo do abismo, no topo do mundo.
Nas mãos, por muito tempo, as páginas do livro da danação, o sublime livro dos pecados e do perdão. Ele me acompanhou na estrada, na rota-22, suas infinitas páginas me ensinando que ela não se esgota, ainda que os caminhos se repitam com uma freqüência entediante. Mas todos os livros, todos! (mesmo aqueles de infinitas páginas), chegam a um fim. E a minha estrada precisava de um ponto final para que um novo livro (talvez mais perigoso do que o primeiro) começasse a ser lido/escrito.

Foi com dor e prazer que senti que o fim estava perto, que a estrada ia terminar. Desde o início da rota-22 eu me perdia nas alturas do monstruoso viaduto que me elevava tão alto que eu conseguia ver, do meu trampolim de concreto, toda uma cidade e mesmo as casas onde meus antepassados viveram por tantos anos, antes mesmo que o Sol nascesse pelas bandas da América Latina. E essa visão, desde a primeira vez, era a maior de todas, a mais sublime, a que me fazia querer ser parte daquilo. Eu era parte daquilo, e ainda nem havia o livro para me ensinar o quanto isso era verdade...
O livro me mostrou que a rota-22 era mais real e mais perceptível do que os meus sentidos mais aguçados poderiam perceber. Mas os fui treinando e com o tempo, ao longo da rota e através das páginas de minha enciclopédia universal, comecei a partilhar da percepção de que ela tinha um sentido muito mais difícil de ser descoberto, e quem o descobrisse comeria a maçã do Éden e talvez preferisse voltar atrás tomando a pílula azul. Mesmo assim, continuei preso no fluxo da rota, sem conseguir controlar a velocidade dessas verdades que me dilaceravam – e a da vida em si, que ganhava e perdia sentidos com uma facilidade assombrosa.

Fechei o livro. Um silêncio pesado como o concreto da estrada me fez sentir que algo estava fora de lugar. O infinito, quem diria, chegara a seu ponto final: o meu ponto final. E continuava infinito. Porque a estrada continuava lá, cheia de significados. Mas era o fim da estrada. O fim da rota-22. E o silêncio pesado...

Desci do ônibus e continuei em silêncio por alguns instantes. Continuava preso às páginas do livro, mas sabia que não podia. Tinha que fazer valer aquele ponto final. Minha vida é cheia de pontos finais que se entrecruzam e se perdem e eu nunca sei o que é início e o que é fim. Mas dessa vez era diferente. Dessa vez eu sabia. O livro estava fechado, na mochila, e em breve estaria na estante e seria apenas mais um. Eu tinha que fazer com que ele fosse apenas mais um, não poderia percorrer a rota-22 para sempre (embora – eu sabia – ela fosse durar para sempre). Ela que começara antes do livro, mas que se misturara a ele de maneira tão surpreendente e íntima... Uma coisa não poderia existir sem a outra, não mais, e eu deveria prescindir de ambas. Ou ao menos conviver com a abstinência.
O fim da rota-22, quem diria! Eu estava pulando fora. Saltei do ônibus para o que havia além, e que exigiria de mim uma força sobre-humana. Sentado à beira de estrada, olhava o meu caminho de tanto tempo, e custava e criar forças para ir embora. Mas o livro acabara. Era o fim.
Um dos muitos que viriam...

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