domingo, 16 de agosto de 2009

Da advertência de Helena

Em advertência a uma nova edição de seu romance, Machado de Assis nos escreve:

“Esta nova edição de Helena sai com várias emendas de linguagem e outras que não alteram a feição do livro. Ele é o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me fez depois, correspondendo assim ao capítulo da história do meu espírito, naquele ano de 1876.
Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferentes páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. É claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo.

M. de A.”

Essas palavras soam particularmente fortes para mim. Quantas coisas escrevi que, hoje, relendo, parecem-me tolas, sentimentais, inconseqüentes, pretensiosas ou absurdamente vagas. Ridículas às vezes. E mesmo assim, que carinho tenho por muitas dessas coisas! Daí a vontade de não perdê-las, o medo de que elas fiquem esquecidas pelos cantos, e a postagem espasmódica, esporádica (e talvez esquizofrênica) de textos que foram muito pra mim – mas que talvez não sejam mais eu no tempo de hoje – nesse blog. Como historiador melancólico que sou, de todo modo, não poderia negar-lhes seu valor. E de qualquer forma, trazê-las à tona é revelar para mim mesmo as portas de um presente que eu tento entender (sem muito sucesso aparente).
E é assim que muito do que eu escrevo é uma maneira de tentar conciliar o que eu fui com o que eu sou. É tentar dar um sentido a tudo o que fiz e vivi, e tentar acreditar que tudo isso valeu à pena nem que seja porque me rendeu um poema. Mas se esse poema não tem valor, onde eu encaixo o meu passado? Então, eis que me surge Machado e acalma temporariamente minhas angústias de quem não tem com o que mais se preocupar (ou tem e mesmo assim insiste em se preocupar com as coisas erradas, por teimosia infantil).
Por isso, peço que não me culpeis pelo que me achardes romanesco, pelos meus momentos de spleen (graças a Deus razoavelmente ultrapassados), ou por tantos “outros eus”, mais ainda eu, que expus, exponho ou ainda venha a expor. Não me culpeis, ainda, pela escrita em um estilo literário inventado (ainda que não original) e que teima em aparecer em minhas páginas, virtuais ou não: a retrospectiva. Ela é uma forma que tenho de tentar me encontrar enquanto ainda não me achei de verdade.

Um comentário:

  1. É sempre um pouco complexo reler coisas que escrevemos em outros momentos. Pessoalmente não consegui postar ou mesmo mostrar à ninguém coisas que escrevi outrora. Talvez isso se deva pelo fato de que quando releio penso que não sou mais eu, ou talvez (e este é meu pior medo) por ver-me refletida demais em palavras que deveriam ser passado. Resolvi, por enquanto, só postar coisas novas, mesmo que não tão boas, mesmo que oriundas de uma catárse, mesmo que não façam muito sentido para ninguém.

    E quanto a saber quem somos, sempre sabemos... ao menos eu sei, mas isso não me fez melhor, me fez uma pessoa mais complicada. " me achei de verdade" e lhe afirmo, não é tão fantástico assim, mas nos dá uma certeza duvidosa de algo.

    terminando o que deveria ser um comentário, mas se transformou em quase um tratado filosofico sobre o eu,digo que não existe estilos literários a seguir, a não ser os nossos, só assim podemos escrever algo de verdade, fato que dificilmente ocorre se nos prendermos as formas. Gostei do seu texto. Sincero e da a impressão de realmente exprimir o que sentes, fato que, na minha opinião, faz de qualquer texto não uma obra prima,mas digno de ser lido e respeitado... quem sabe até compreendido?

    um abraço

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