sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Café Damasco

Sentado num café, em Curitiba, tomando minha xícara e fumando meu cigarro de maneira fingidamente despreocupada – ocultando o gênio angustioso que descasca as fendas do meu coração – leio o jovem Werther e me vêm à cabeça o desejo de escrever palavras vulgares como “angustioso” e um recordar sobre meus dizeres à namorada, no dia anterior: “viu essa pedreira, esse lago, essas árvores? Me incomoda o fato de nada disso me emocionar. O mundo não me encanta, não me embriaga, não me toca”. Pensando nisso, reitero minha convicção de que, a despeito de minha fé (que há, ainda que bruta), de meu desejo, da magia que vejo sair pelos poros do mundo – e que se dissipa pelas minhas mãos e nuca, se perde no emaranhado de meus vasos, antes de tocar meu coração –, a despeito de tudo isso, nunca virarei no Oxalá (êpa babá!).

O jovem Werther se recorda, com nostalgia, do tempo “em que espíritos benfazejos pairavam ao redor de fontes e nascentes”. Mas, no meu mundo de hoje, não há espaço para esse tipo de encanto. No meu tempo, a cidade sagrada se encontra, para sempre, esquecida por detrás das névoas. Os deuses de Merlin abandonaram a minha Britânia, e meu Rio de Janeiro – como Curitiba – não encena mais a figura de Deus caminhando sobre a face das águas. O cigarro Gauloises que fumo, como já escrevi há tanto tempo, é só um cigarro (sem êxtase, sem transcendência, sem edificação, sem história; com nicotina).

Sinto-me morno e, do romantismo, só me sobra a angústia – que cai sobre o meu peito como tabaco fumado às pressas, nas primeiras horas da manhã. À cabeça vem a música do compositor de Barcelona, e ele diz que no pequeno encontrou a força de seu mundo. Rio um riso condescendente e amargo. Amar o pequeno é destino para os que ainda conseguem viver a magia do mundo. O pequeno não lhes é morno, é total. Os ambiciosos que, como eu, almejam batalhas épicas e futuros grandiosos, não querem outra coisa que reviver o mundo encantado de seus ancestrais, oculto por detrás do véu de Maya. E quando se sentam num café, pretensamente despreocupados, fumando seu cigarro, tomando sua xícara, e planejando conquistar o mundo no dia seguinte, invejam profundamente a moça da banca de flores da esquina, para quem toda a manhã é o mesmo “bom dia”.

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Na mesa ao lado, executivos festejam a queda do dólar.

2 comentários:

  1. Compreendo bem esse gosto, essa coisa grudada na pele. Bonito esse jorrar, João. Já me pequei dizendo aqueles dizeres de desencanto algumas vezes. É foda. Há que se tomar muito café. É tão difícil o "simples viver".

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  2. Comentário de perto.
    roberta

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