segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Anatomia

Corpo, mil vezes simulacro, mil vezes cantado, dissecado, torturado.
Corpo meu de me ver nele e não saber quem eu sou.
Corpo que, vejo, tem braços, pernas, assim, desse modo, mas que olho e custo a acreditar que sou.
Que estico o braço e não tenho domínio sobre a coisa minha, ela me domina, ela é eu.
Corpo, de ele me descer um arrepio pela espinha torta, me fazer tremer os dedos de cantos roídos, me falsear as pernas que agüentam meu peso mas não minha incerteza, me botar o rosto tenso olhando pra frente, sem piscar os olhos, piscando os olhos, sem saber como olhar, olhando, somatizando, incorporando, liberando THC e adrenalina (endocrinando-me).
Corpo de eu o construir. Desenhar meus braços, desenhar meus músculos, o contorno do meu rosto. Artista inglório que sou, que a obra sai sempre aquém
Artista curioso, mas preguiçoso que sou; que se deslumbra!, mas não se disciplina.

De cor, de forma e de lógica
De não lógica contida no absurdo do delírio
É feita cada fibra de febre e pulsão.
– não invólucro, mas unidade transcendental
(que não sou somente em mim, mas na possibilidade de ser tudo)
e o ar que entra em meu pulmão, que teimo em intoxicar, é também o que me faz a tal coisa viva
e a luz que deita em minha pele é também o que me faz carne e o que me faz além da carne

“Estou construindo meu corpo”, pensei, mas é mais que isso! Meu corpo transborda, mas transborda demais. Transborda para as paredes do meu quarto e não consigo controlar a ânsia de controlar no corpo-além-corpo o que não consigo no corpo-coisa-minha, e já nisso faço uma distinção que, sinto!, não existe, mas que se impõe na prática me mostrando que para ser é necessário mais do que nascer...
E minhas veias pulsam de medo!
Meus músculos se contraem
Minha vista dói e treme, e as noites mal dormidas me revelam que o corpo-coisa-minha e o não-corpo-coisa-minha precisam estar em conjunção, mas os dois estão desregulados – e nisso separo de novo coisas que, sinto, são inseparáveis.

Corpo, que percorro com os olhos, tentando achar onde estou no emaranhado
Corpo, que sinto com as mãos, que são, para mim, a porta para o que há do lado de fora
Corpo, que descubro aos poucos e, se domino nada ou quase nada, conheço na paixão e nas necessidades mais primitivas; que moldo para me fazer e que, nisso, sempre me desconstruo mais e mais
Corpo que, como diversas partes encaixadas, forma organismo integrado e, como organismo que é, não vive senão como coisa uma (mas que, ao transbordar, me desconcerta)
Corpo, que vejo, toco, encontro, entendo(?)

E que não marco
(que me marcar é perigoso
marcar é saber demais)

Um comentário:

  1. Prafrasendo:

    "E que marco
    (infelizmente, me marcar é perigoso,
    marcar é saber demais)"

    Parabéns vate, mesmo sem conhecer, usas a realidadde adivinhada, e alcanças a obra de Clarice, Virginia e Marguerite! Além de tocar muito as minhas idéias!

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