quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O pecado original do poeta

Disse a matrona do Ocidente, no auge de sua formosa pompa, quadrada e soturna debaixo de abóbadas góticas: “tu nasceste, homem impuro, sob o pecado original; nasceste em dívida, pague-a em vida, espie tua culpa nesse vale lágrimas”.
E os homens nunca tiveram paz, pois que haviam sido já concebidos sob a mancha do estigma que carregariam por toda a vida.

E depois de tantos séculos de rebeldia e libertação, quem diria!, o poeta ainda está em pecado. Nasce já sob a maldição de não ter lido nada, de não ter visto nada (nada do quando há para ser visto sob este céu). E a cada dia, cada linha lida equivale a 30 dúzias de milhões de linhas novas escritas. A dívida só aumenta, só aumenta (já disse uma vez Fernando Sabino: “desgraçado daquele que vê, há de pagar pelo crime de ter visto pouco”). E não há o que faça o poeta quitá-la: ele tenta, busca, se espanta... Perde seus dias em angústia e vícios tentando conhecer – intransitivamente – e sabendo que nunca o fará por completo, e como criar o novo quando não se conhece o que foi e o que é? Que método faz do poeta o ser onisciente que pode ser absolvido da maldição? Que bênção o livra dessa terrível sina, dando-lhe o direito de criar de barro fresco, sem repisar eternamente as ruínas de Roma? O que faz, meu Deus!, o que faz o poeta se livrar de vez do ranço de erudição que o prende ao pecado original no qual nasceu sem nem ao menos se dar conta? Quando a vida do poeta deixará de ser uma corrida?

Será que absolvição vem no percurso diário, de suor e labuta?
Será que vem na negação da missão, quando o poeta desiste de seu fardo e resolve fazer de sua própria vida um grande poema?
Será que ela o chega no paraíso, depois de pesadas, numa grande balança de ouro, os prós e os contras de sua obra?
Será que entendi tudo errado?
Serei eu um não-poeta?

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